Debutante
- Luciana Rovay

- 20 de jan. de 2018
- 5 min de leitura

Aos 15 anos escolhi uma viagem ao invés de uma festa de debutante. Na época eu não era muito fã do Mickey e a novela Tropicaliente dava uma surra de paisagens incríveis do Nordeste, com dunas, lagoas naturais e coqueiros! Dunas!!! Encantada com aquilo, Natal me pareceu um destino incrível.
Estava programando a viagem com a minha melhor amiga. Seria nosso grito de liberdade! Após tantas aventuras em nossa cidade ao começar a conseguir permissão dos pais para ir às festas e voltar para casa após o anoitecer, iríamos VIAJAR sozinhas! Ir a festas sem hora para voltar, conhecer paisagens maravilhosas, praias e dunas, fazer passeio de buggy com muita emoção!! Cair no mundão!!
Infelizmente em janeiro daquele ano, um taxista em alta velocidade não conseguiu frear ao sinal ficar vermelho e levou a vida dela. Um fim de tarde desesperador aguardando notícias, uma noite longa no velório, um dia seguinte cinzento e chuvoso (exatamente como o clichê). Embora haja muitas memórias sobre esse momento, não vou desviar o foco do texto que é contar sobre a viagem. Então, corta...
A ideia da viagem foi mantida (obrigada mãe e pai se empenharem em me distrair da tragédia) e logo uma amiga da escola se animou para me acompanhar. Pesquisamos tudo e fechamos um pacote de uma semana com a antiga Soletur para Natal! Passagem aérea, hotel com café da manhã, traslados e passeios básicos. O pacotão que todo mundo conhece.
Viajamos em julho e ficamos num hotel na Via Costeira, que na época era maravilhoso, hoje vi na internet que já está meio caidinho. Isso foi bem antes da era dos grandes resorts, portanto a vista para o mar, o café da manhã farto e apenas uma escadinha separando a área da piscina da faixa de areia da praia eram um luxo inacreditável para nós!
(Nota turística: Ainda era possível acessar a praia em frente ao hotel, hoje aparentemente não se pode mais usá-la. A faixa de areia da Praia de Ponta Negra era 2 vezes maior do que é hoje e também era possível subir no Morro do Careca. E qual foi minha decepção quando voltei em 2014 e encontrei a orla curtinha da Ponta Negra e um policial cuidando para não deixar ninguém subir no Morro do Careca que agora estava quase sem areia.) *Alerta Meio-Ambiente!*
Volta para 1996, crise de euforia na chegada com direito a pular na cama (Óbvio! Como não fazer isso ao entrar em quartos de hotéis legais?!), abrir as janelas, os armários, o frigobar, fuçar todas as amenities do banheiro e tomar cerveja na varanda (a ingenuidade de quem ainda não está familiarizada com preços de frigobar). Nota financeira: tenho que compartilhar minha primeira lembrança de educação financeira dos meus pais, afinal eles pagaram o pacote e me avisaram para economizar a mesada porque era com ela que eu me manteria em Natal durante essa semana de férias – eu deveria bancar a alimentação e o que quisesse comprar com o meu dinheiro.
No primeiro dia, city tour. O que para a maioria pareceu ser um dia chato (eu olhei para trás um momento e vi um monte de gente dormindo) presos dentro de um ônibus, para essa curiosa aqui foi a certeza de que viajar era a forma mais legal de conhecer a História, Geografia, Economia, Curiosidades, Idiomas (sim, eu voltei de lá com o sotaque potiguar) de todos os lugares do mundo. O que era ensinado na escola eu poderia aprender in loco e de uma forma muito mais efetiva. E isso definiu os meus passos nos anos seguintes. (É claro que eu sei que a maioria ainda acha city tour um programa maçante, mas deixando de lado o formato, viajar/vivenciar/experimentar é a melhor maneira de aprender!)
A semana foi sim repleta de praia, sol, passeio de buggy com emoção, dunas, lagoas e esquibunda mas a surpresa que essa viagem guardava veio no final e não tinha nada a ver com os passeios. No penúltimo dia, cansadas de acordar cedo para os passeios, resolvemos curtir o hotel. Durante o café da manhã, notamos a presença de pessoas diferentes das que estávamos acostumadas a ver: casais, senhoras e famílias. Um destoante grupo de 6 pessoas ocupava uma das mesas e embora não reconhecesse ninguém imaginei que fossem artistas. Logo o grupo de senhorinhas super simpáticas com quem já tínhamos feito amizade se aproximaram:
- Meninas, vocês viram quem está aí?
Eu: Cara de interrogação.
– Alceu Valença!
Eu: Cara de interrogação.
Elas explicaram rapidamente que era um cantor mas naturalmente éramos muito novas para conhecer. As senhoras partiram para seus passeios enquanto nós tomávamos conta da área da piscina afim de “lagartixar” o dia todo. Minutos depois, eis que surge o tal grupo ocupando a mesa ao lado. Três rapazes (depois vim a saber que eram o guitarrista, percussionista e o produtor), o tal cantor, sua mulher e seu filho que na época devia ter uns 5 anos. Não me lembro como o papo começou só sei que passamos a manhã conversando e eles contaram que estavam na cidade para um show que aconteceria naquela noite no Teatro Alberto Maranhão, o mais tradicional da cidade. Entre um bate papo ou outro ao longo do dia, ouvimos um convite para o show, como boas paulistanas desconfiadas, entendemos como sendo um convite “por educação”. Fim de tarde chegando, nos despedimos e subimos para o quarto.
Cerca de 19h toca o telefone do quarto, a recepcionista avisa que estão nos aguardando na recepção. Lembro até hoje da cena, uma olhando para a cara da outra na maior surpresa sem acreditar que o convite tinha sido sério e que íamos mesmo ao show (não não não, veja bem, íamos ao show COM A BANDA!). Pula da cadeira, bota o primeiro vestido em ordem que encontra pela frente, a única sandália decente, passa um batom e o cabelo vai sendo arrumado pelos corredores!! Corre!!!
A primeira conversa com o Alceu (Valença para vcs rs) foi na van durante o trajeto de ida. Uma simpatia! Calmo que só ele, sorridente, interessado em saber quem eram as paulistas, como estavam as férias, etc. Sua namorada, uma moça carioca muito bonita (já tentei lembrar o nome e nada... será que era a Yanê Montenegro?? ) nos acolheu de forma surpreendente! E que voz linda ela tinha! Durante a espera no camarim, uns tocavam violão enquanto ela cantava e Alceu dava entrevista ao jornal local. Depois compartilharam o jantar japonês servido no camarim, comida que não experimentei porque achei muito esquisito (ai, se fosse hoje...). Foram duas apresentações na mesma noite! A primeira assistimos no camarote ao lado da família do Alceu. À medida que as músicas iam sendo tocadas, uma sequência de:
- Mas eu adoro essa música!
- Nossa, é ele que canta essa?
- Gente, é lógico que eu conheço as músicas dele!!!
Sou uma verdadeira tapada quando se fala de música. Ouço muito e sempre mas nunca sei quem está cantando, nome de música, álbum... A segunda apresentação foi assistida da coxia, sentada em algumas caixas ao lado de Moraes Moreira (!!?) que resolveu dar uma passada para prestigiar o amigo. E eu só pensava: Como é que eu vim parar aqui?? Se eu contar ninguém vai acreditar!!! Cadê a câmera fotográfica nessa hora, Brasil??? A pessoa saiu toda descabelada correndo do quarto que acabou esquecendo a câmera!!! E em 1996 ainda não tinha celular!!! Dá para acreditar???
Sem fotografias e com apenas a minha amiga da época de testemunha, que nem sei mais por onde anda, achei melhor registrar as memórias antes que se percam.
Depois daquela noite, virei fã do Alceu Valença bem como dançarina assídua de forró bem antes da moda que se instalaria em São Paulo no ano seguinte vindo dos festivais de Itaúnas. E essa foi a minha primeira viagem sozinha já mostrando que nelas eu teria as experiências mais surreais da minha vida!
Natal - RN, 1996





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